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domingo, 17 de junho de 2012

A VELHICE



Ao transitar pelo corredor do apartamento, entrevejo quadros que guardam fotografias de nossos entes mais queridos. Estão ali ocupados em sorrir ou simplesmente com o olhar vago em direção à câmera que os eternizou no flagrante. Uma pergunta me salta à mente: quanto tempo esses retratos de nossos antepassados vão permanecer ali?  Passada a nossa geração e a geração seguinte, certamente alguém os olvidará, retirando-os da parede e colocando-os a um canto qualquer.

Nada é mais propenso ao esquecimento do que aquilo que passou. Assim como se faz aos objetos, algumas pessoas tendem a pensar em relação a outras. O velho François Chateaubriand já dizia que a idade provecta é uma temeridade para aqueles que a alcançam. “Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso”.

Enquanto se é jovem e o ardor da chama da vida tem sua maior gradação, todos os investimentos são fortuitamente destinados a essa idade.  Pode se ver  isso nas propaganda; a sua maioria está relacionada com o vigor da juventude. É que vem dela, o maior número de consumidores. E, por isso mesmo, a ela se destina tudo.

A nossa Cecília Meireles disse-o bem ao referir-se que não se morre de velhice, mas sim de indiferença. É a solidão arbitrada pela família que obriga o velho a se diferenciar do mundo.

O cansaço dos anos, leva-o a andar mais lento. E o mundo novo exige pressa. A vista curta, impede-o de ver mais longe; e ele passa a circunavegar seu pensamento em torno do seu eu. Interioriza-se, ruminando o passado e sorvendo nas lembranças do que foi, um naco de satisfação. Afinal, como já antevia o filósofo Arthur Schopenhauer  “o perfeito conhecimento começa pela perfeita reminiscência”.

Como ouve mal, a voz do nosso velho vai aos poucos deixando de ser ouvida. E ele pára numa cadeira de balanço, reflexivo, meditabundo, como se estivesse aéreo a tudo, a querer dizer que estancara também sua vontade de viver.
O mundo novo que se renova a cada minuto, vai aos poucos distanciando esse cidadão que, durante décadas, serviu a humanidade, qualquer que fosse o seu jeito de ser. Ferramentas novas que surgem na modernidade, são coisas das quais ele se afasta, mas provavelmente com uma enorme vontade de prescrutá-las.

Ao ver aquela fila de idosos em frente a bateria de caixas eletrônicos, trêmulos, reticentes e envergonhados por não saberem  usar os novos mecanismos da sociedade moderna, fico a pensar: como ser diferente , se ao tempo deles sequer um curso de datilografia puderam fazer e, hoje, até para receber os proventos da Previdência exige-se que eles se adaptem à automação.
Se pudesse fazer chegar a eles um conselho, eu diria como Karen Horney que, nessas horas outonais da vida, “a preocupação deveria levar-nos  a ação e não a depressão”.  Afinal, a vida é plena. A morte é uma piada velha contada nos dias em que até a Ciência já nos sinaliza com a continuidade da existência em uma 
outra dimensão.

Por isso, ao passar pelo corredor e notar que ainda estão suspensos as fotos do ontem, não temerei o destino delas. Afinal, é preciso renovar os ambientes e a própria vida humana faz isso, continuamente.

O dia que ressurge após a noite, nada é mais do que a resposta da Natureza ao constante renovar da vida. Se o é em cada grão semeado, por que não sê-lo nesse projeto magnífico chamado ser humano?

A quem amadureceu pela idade e sente esquecido por aqueles que, um dia, chegarão a esse tempo, a convicta certeza de que, apesar de todas vicissitudes e vexames da terceira idade, reconheçamos: ninguém morre.

A exemplo de alunos que foram para a escola e ao final da aula, a escola terrena vai nos liberar para que retornemos a nossa casa de origem. De lá, certamente, renovaremos as energias do espírito e circunavegaremos em torno de forças outras que vão nos trazer, uma vez seguinte, a uma nova experiência – como já foram outras – até que encontremos as chaves do reino da felicidade que estão depositadas em cada um de nós. E que são acessadas apenas através da existência fortuita do agir em favor do bem e da paz.