Ao transitar
pelo corredor do apartamento, entrevejo quadros que guardam fotografias de
nossos entes mais queridos. Estão ali ocupados em sorrir ou simplesmente com o olhar vago em direção à câmera que os eternizou no flagrante. Uma pergunta me
salta à mente: quanto tempo esses retratos de nossos antepassados vão
permanecer ali? Passada a nossa geração
e a geração seguinte, certamente alguém os olvidará, retirando-os da parede e
colocando-os a um canto qualquer.
Nada é mais
propenso ao esquecimento do que aquilo que passou. Assim como se faz aos
objetos, algumas pessoas tendem a pensar em relação a outras. O velho François
Chateaubriand já dizia que a idade provecta é uma temeridade para aqueles que a
alcançam. “Outrora, a velhice era uma dignidade; hoje, ela é um peso”.
Enquanto se
é jovem e o ardor da chama da vida tem sua maior gradação, todos os
investimentos são fortuitamente destinados a essa idade. Pode se ver
isso nas propaganda; a sua maioria está relacionada com o vigor da
juventude. É que vem dela, o maior número de consumidores. E, por isso mesmo, a
ela se destina tudo.
A nossa
Cecília Meireles disse-o bem ao referir-se que não se morre de velhice, mas sim
de indiferença. É a solidão arbitrada pela família que obriga o velho a se diferenciar
do mundo.
O cansaço
dos anos, leva-o a andar mais lento. E o mundo novo exige pressa. A vista
curta, impede-o de ver mais longe; e ele passa a circunavegar seu pensamento em
torno do seu eu. Interioriza-se, ruminando o passado e sorvendo nas lembranças
do que foi, um naco de satisfação. Afinal, como já antevia o filósofo Arthur
Schopenhauer “o perfeito conhecimento
começa pela perfeita reminiscência”.
Como ouve
mal, a voz do nosso velho vai aos poucos deixando de ser ouvida. E ele pára
numa cadeira de balanço, reflexivo, meditabundo, como se estivesse aéreo a
tudo, a querer dizer que estancara também sua vontade de viver.
O mundo novo
que se renova a cada minuto, vai aos poucos distanciando esse cidadão que,
durante décadas, serviu a humanidade, qualquer que fosse o seu jeito de ser.
Ferramentas novas que surgem na modernidade, são coisas das quais ele se afasta,
mas provavelmente com uma enorme vontade de prescrutá-las.
Ao ver
aquela fila de idosos em frente a bateria de caixas eletrônicos, trêmulos,
reticentes e envergonhados por não saberem
usar os novos mecanismos da sociedade moderna, fico a pensar: como ser
diferente , se ao tempo deles sequer um curso de datilografia puderam fazer e,
hoje, até para receber os proventos da Previdência exige-se que eles se adaptem
à automação.
Se pudesse
fazer chegar a eles um conselho, eu diria como Karen Horney que, nessas horas
outonais da vida, “a preocupação deveria levar-nos a ação e não a depressão”. Afinal, a vida é plena. A morte é uma piada
velha contada nos dias em que até a Ciência já nos sinaliza com a continuidade
da existência em uma
outra dimensão.
Por isso, ao
passar pelo corredor e notar que ainda estão suspensos as fotos do ontem, não
temerei o destino delas. Afinal, é preciso renovar os ambientes e a própria
vida humana faz isso, continuamente.
O dia que
ressurge após a noite, nada é mais do que a resposta da Natureza ao constante
renovar da vida. Se o é em cada grão semeado, por que não sê-lo nesse projeto magnífico
chamado ser humano?
A quem
amadureceu pela idade e sente esquecido por aqueles que, um dia, chegarão a
esse tempo, a convicta certeza de que, apesar de todas vicissitudes e vexames da
terceira idade, reconheçamos: ninguém morre.
A exemplo de
alunos que foram para a escola e ao final da aula, a escola terrena vai nos
liberar para que retornemos a nossa casa de origem. De lá, certamente,
renovaremos as energias do espírito e circunavegaremos em torno de forças outras
que vão nos trazer, uma vez seguinte, a uma nova experiência – como já foram
outras – até que encontremos as chaves do reino da felicidade que estão depositadas
em cada um de nós. E que são acessadas apenas através da existência fortuita do
agir em favor do bem e da paz.