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domingo, 1 de abril de 2012

Do discurso sobre o capital humano e as drogas


Semana passada, assistindo a TV Câmara, um parlamentar cearense do legislativo municipal denunciava o consumo intenso de drogas por torcedores que foram flagrados fumando maconha e crack nas dependências do PV, durante o jogo Fortaleza e Ceará. Pedia o representante do povo para que a casa envidasse esforços no sentido de evitar que isso acontecesse nas dependências da praça de esportes, por conta de que os drogados acabariam levando a prática do vandalismo e depredando o patrimônio público.

O legislador estava preocupado com os prejuízos ao patrimônio público.

Eu, particularmente, tem uma outra visão do problema: preocupam-me os danos causados ao patrimônio, mas muito mais ainda ao patrimônio humano de quem se vê vitimizado pela drogadição. Preocupa-me o número cada vez maior de jovens que se tornam dependentes e clientes de um supermercado que, hoje em dia, não tem limites. Comercializa-se drogas em todo canto. E não só os jovens de comportamento equivocado se unem a esse contingente, mas adultos que engrossam os descaminhos da sua própria evolução.

Mães e pais estão compartilhando desse malsinado comércio do crack e da cocaína, como nem mesmo na minha época de juventude podíamos constatar. E era um período de mudanças, onde a revolução do ‘paz e amor’, exibia uma pretensa liberalidade que , se chocava aos olhos da época, hoje soa como atitude bastante pueril.

Diante da invasão do crack e da facilidade com que a cocaína hoje é adquirida por uma clientela que, há dez anos, jamais teria condições econômicas de adquiri-la, a era dos hippies mais parece estória de carochinha contada nos dias de hoje.

O livro “Droga! Internar não é prender” do psiquiatra Odailson da Silva, tem a preocupação com o capital humano. Capital humano, hoje em dia, a serviço de um modelo consumista alienante que, provoca sonhos em mentes ainda em formação e que são cooptadas – essas mentes, por forças interessadas apenas no capital econômico.

O livro do Odailson tem o certificado de quem convive no dia-a-dia desse mundo que, antes era restrito a uns poucos ‘chefões’ mas que hoje em dia já se avultou de tal forma que ninguém nem mais sabe quem é o traficante e quem é o viciado.

A propósito, o Juiz Manuel Clístenes de Façanha e Gonçalves, ao prefaciar a obra, cita muito acertadamente que hoje não tem mais a figura do traficante, como dono da única boca de fumo do bairro. “Agora são dezenas de pequenos traficantes e centenas de aviões que disputam com suas gangues o controle de tráfico de drogas”.

Agora, junto ao aspecto do vício acomoda-se o interesse da vantagem, da ganância – que, aliás, é a porta de acesso a terríveis comprometimentos tanto material quanto moral. É por ganância que o comerciante frauda no preço e no peso; é por ganância que o político engana seus eleitores; é por ganância que se alastra a corrupção desmesurada; é por ganância que a Educação virou comércio e até as próprias religiões, na conquista de almas para ampliar suas contas bancárias, deixam o espiritual e se dedicam a salvar a alma de seus patrimônios.

Diante de um mundo cada vez mais individualista, o jovem toma como modelo, os exemplos de uma sociedade distanciada dos valores éticos e morais que sábios nos deixaram. Diante da família desajustada, do ambiente cultural comprometido pela mediocridade, ele busca fugas. E sabemos todos que, mesmo os indivíduos mais bem ajustados  se tornam clientes das multinacionais da química, acabam também se tornando dependentes de remédios para emagrecer, engordar, dormir, acordar, e até para fazer sexo.  Iludidos por essa cornucópia de desejos, os jovens mergulham no desgraçado poço das drogas, onde a bebida – fartamente colocada à mão de qualquer, em qualquer lugar (vide o caso da Fifa) -  a bebida é o primeiro degrau para essa escada do horror , que não é ascendente. Ela leva sempre o viciado para baixo.

O que fazer diante de tudo isso? Como agir? Como tratar? O Estado, no afã de se ver livre de um problema, faz a limpeza das ruas, como para tirar o lixo da vista de todos. Manda as vítimas do crack para internatos que, na verdade, não dispõem de parâmetros para reajustá-los e devolvê-los à sociedade. Centros de recuperação são abertos, alguns responsáveis, outros interessados em usufruir as verbas do sistema e acabam misturando religiosismo – e não religiosidade – com a necessidade de humanizar e espiritualizar essa gente.

“A internação precede à prisãoassim como a doença é anterior ao crime”, afirma com segurança Odailson nesta obra, que tem tudo para inquietar a todos nós. Principalmente, porque ele conhece o problema de cor. Porque ele trata de adictos, mas não apenas pelo viés da Ciência fria e sim pelo conhecimento espiritualista que sua alma comporta nesta existência. Pelos valores espirituais que precisam ser fermentados com o exemplo, com o modelo – não só para os doentes do crack, mas para seus familiares e suas amizades. 


Porque afinal, o viciado é apenas a ponta do iceberg de um drama social e existencial que confunde a todos nós. A ponto de um político pedir providências para evitar que as vítimas desse cancro de final dos tempos possa prejudicar o patrimônio público – que achamos correto, defendê-lo. Mas o patrimônio humano é ainda a prioridade de quem enxerga apenas o rótulo e não a essência. De quem vê a caixa e não o produto. De quem não compreende que o valor da Vida está, principalmente, no capital humano. 


Odailson entende o problema. E o livro seu livro nos provoca: "Droga! Internar não é prender" O caminho é aprender. E o livro ensina. 


(Discurso a ser proferido dia 2 de abril de 2012
na Academia Cearense de Letras, durante o 
lançamento do livro "Drogas! Internar não é prender"
do psiquiatra Oldailson da Silva)