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terça-feira, 30 de julho de 2019

P de pó e poesia

Nasci num dia de nuvens grávidas anunciando um temporal bemvindo 
para aplacar a sede da terra seca.

Vivi debaixo de um tamarineiro que, 
na infância minha, adoçava as delícias 
de minhas tardes de criança feliz.

Morri e fui enterrado num enorme 
campo verde, ornado de muitas flores, 
onde o vento prenuncia minha eterna madrugada.

*** 

A poesia vive nos arquétipos da alma. Transcende os limites do eu e se revela 
na solitária folha de papel em branco dos sonhadores

TODO MUNDO GOSTARIA DE SER

TODO MUNDO GOSTARIA DE SER...
Texto de Nonato Albuquerque
Tão harmonioso quanto Bach
Tão bondoso quanto Chico
Tão inteligente quanto Einstein
Tão perfeito quanto Jesus
Tão pacífico quanto Ghandi
Tão justo quanto Salomão
Tão santo quanto Francisco
Tão caridoso quanto Tereza de Calcutá
Tão belo como David de Michelangelo
Tão habilidoso quanto Dumont
Tão eficiente quanto Sabin
Tão paciente quanto Jó
Tão engraçado quanto Chaplin
Tão inspirado quanto Wagner
Tão poeta quanto Neruda
Tão sentimental quanto Romeu
Tão amorosa quanto Julieta
Tão forte quanto Hércules
Mas tão simples quanto Tolstoi
Tão musical quanto Jobim
Tão virtuose quanto Mozart
Tão desbravador quanto Rondon
Tão famoso quanto Lennon
Tão bonito quanto Pitt
Tão sincero quanto Galileu
Tão grande quanto Alexandre
Tão sólido quanto Zé Alencar
Tão fiel quanto Abrão
Tão sábio quanto Hawkins
Tão ativa quanto Madame Curie
Tão gente como qualquer um.
Não é preciso tanto esforço,
Basta ser, antes de querer Ter.

TSUNAMI DE LUZES


segunda-feira, 29 de julho de 2019

O FIM DA PICADA



Antigamente, na reza
que Jesus nos ensinou,
se pedia com destreza
perdão a quem não pagou
as dívidas que na avareza
a gente também arcou
hoje, com toda a certeza
só perdoar a ofensa restou.

Será que foi a ameaça
de com isso se tornar
o nome sujo na praça
e as dívidas aumentar?
Num mundo ‘chei’ de trapaça
onde se quer mais reinar
é possível que essa raça
no Serasa ia acabar.  

e se o perdão prevalecesse
no Pai Nosso, endividada
talvez a igreja sofresse
perdoando assim por nada
quem se portou nessa messe
com uma gastança danada
e sem a doação que o fiel desse
seria o fim da picada
v

domingo, 28 de julho de 2019

Mascar a vida para regurgitar a morte


eu vivo abismado em mim
com medo de dar
um salto mortal
e acabar, escorrendo minha alma
por entre as vitrines
das famigeradas mídias sociais.

Não me sinto confortável
como possam imaginar  
os que dizem ser o passado
capaz de pagar
todas as minhas dívidas eternas.
Não acredito em nada disso. 

Eu não sou anjo,
nem demonizo a fé de quem me vê
santo e não põe um pingo de fé
na possibilidade de mudar meu rumo.

Para onde eu sigo
não seja o céu, nem o inferno
o destino a que me conduzo. 
mas o ‘point’ de onde eu saí
um dia, para levar esse tempo
todo, mascando a vida
para regurgitar a morte
que habita em cada um de nós.

Esperançosa promessa de libertação

Na enternecedora paisagem da Galileia, quando o sol se abrigava nos montes junto ao Mar Morto, uma multidão acorria à chegada de um homem dos seus 30 e poucos anos, que era reconhecido entre eles como a esperançosa promessa de Israel para a libertação do jugo de Roma. 

Não era um rebelde na concepção estrita da palavra, nem tinha ele o perfil dos perturbadores da ordem que, vez em quando, sacudiam a tranquilidade da soldadesca pretoriana, desobedecendo as ordem para não se agruparem em discussões políticas. 

De sua voz cadente, jorravam palavras de um profundo ensinamento profético que, aos ouvidos atentos, sugeriam o prenúncio de um tempo melhor para o povo que se via escravo do invasor romano.  

Enquanto suave brisa percorria as frondes das tamareiras em flor, amenizando o que restou do escaldante calor que a tarde deixara sufocar, o povo que seguia a autoridade do templo de Jerusalém ao invés do templo da Samaria, tranquilizava-se ouvindo as lições daquele que diziam ser o filho de um carpinteiro. 

Com sua tez amorenada, o homem juntara-se com uma dezena de indivíduos que sempre o acompanhavam, ao sopé do monte, enquanto a multidão curiosa parecia ansiar para sentir dos seus lábios o hálito perfumado das lições daquele dia.

Foi quando ele falou desse mesmo povo de identidade judia, que tinha um deus único por religioso respeito, mas que ainda fugia aos cânones da prática do sagrado livro. Lia-se Moisés, mas no aprendizado a teoria se exercitava mais pelo ímpeto de cada um ao invés de procederem pelo sentido expresso da mosaica lei. 

Depois de falar das venturas que aguardavam as almas encanecidas pelo roteiro interminável de existências, lembrou o direcionamento de cada uma na paisagem terrena. Dizia estar de passagem pela Terra, atendendo às sugestões de seu Pai, um Deus único de onde se originaram as doze tribos de Israel. 

Aos humildes e mansos de sentimentos teceu considerações que os apontavam como herdeiros do futuro do Planeta, quando uma Nova Era de justiça e bondade se fizer presente entre os povos das nações. 

Consolou as vítimas da violência, do ódio e das tormentas do espírito, injetando-lhes no íntimo de suas almas, a certeza de que todos serão aquinhoados das bençãos do alto. E conclamou a que os ímpios se sujeitassem à brandura para que nos dias vindouros pudessem celebrar as primícias do reino maior. 

Foi, porém, ao sentir entre os presentes, noções claras de divisões sectárias em relação ao trato com os de religião diferente, que Ele buscou acentuar ainda mais a sua palavra. Concitou a todos que buscassem a convivência harmoniosa para evitar as consequências que a lei lhes prometia.  

E narrou-lhes a história do samaritano que socorrera um pobre desvalido, vítima da insidiosa violência reinante e que fora deixado ao largo, diante da passagem de um religioso e de um homem que se dizia do bem. 

Os samaritanos, é bom que se diga, eram criaturas mal vistas entre a comunidade judia da Galileia, por não seguirem o ensino do templo dos galileus. Entre eles, disputas ávidas da paixão fanatizante dominavam seus mais íntimos sentimentos. Poucos valorizavam seus contendores. Uma lição de prestimosa ajuda, feita por um daqueles a quem a maioria os citavam como gente de baixa estirpe, era por demais incisiva. 

Já era tarde quando a multidão se retirou da base do monte Hermon, em meio a comentários sobre o que lhes pregara o mestre. Alguns não admitiam regrar as contendas com os da tribo da Samaria, não só por motivações de religioso cunho, mas por discutíveis querelas políticas que já atravessavam anos. 

Mas no íntimo de cada um, o homem conseguira inocular uma semente de luz capaz de renovar o espírito belicoso daquele povo galileu.  

segunda-feira, 15 de julho de 2019

APOSENTADO RIA


Seu Lucélio, filho de Otacílio e Emengarda,
vivia ansioso pra chegar a aposentadoria.
Trabalhou feito burro de carga, como guarda
do serviço público, nos tempos da hospedaria.

E nessa esperança, de ver o que lhe aguarda,
o tempo foi passando e em meio a correria
chegou a se aposentar. Hoje da mansarda
de sua choupana, diz não ter mais alegria.

O que recebe por mês mal dá pra ser contado.
Pra compensar a renda, vive a pedir esmola
e diz ser dessa forma que a vida lhe socorre.

O sonho de futuro, morreu lá no passado;
vive de esperança, pois aprendeu na escola
ser ela, na verdade, a última que morre.

ANOTAÇÕES PRECIOSAS

ANOTAÇÕES PRECIOSAS
Dos velhos sonhos incomuns de toda a infância, 
um só ainda lembro com constância: 
o dia que cavalguei um unicórnio 
e a relva toda iluminava-se à sua passagem.
Eu tive sim um par de unicórnios. 
Um deles chamava-se Relâmpago. 
Era comum, ir num trote rápido, de Alkazhar a Neptuno, 
buscar água de colônia para meus banhos matinais.
Hoje, que estou centenário e desprendido de materiais vinculações, 
eu só tenho deles a saudosa lembrança.
Um dia, em outro corpo, em outra esfera planetária, 
pretendo criar unicórnios em pastos da Lua, 
só para deixar com inveja os que lerem essas preciosas anotações 
e acharem que é impossível ainda ter sonhos na minha idade.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

A LENDA DO FIM DO MUNDO


Nem com milagre do Cristo


sim, confesso
eu já fui um ladrão
roubei rosas de um jardim
por coisas do coração

e tem ainda mais:
fui também marginal
matava o tempo dos outros
por achar isso normal

e tem ainda mais
eu já fui crente
de que Deus repartiria 
a felicidade com a gente.

hoje, eu não sou
nem mais devoto
dos canalhas que elegemos
através do nosso voto.

o mundo mudou 
mudou e pelo visto
não melhora mais 
nem com milagre do Cristo.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

ESQUECI DE PAGAR AS COMPRAS

Dia desses eu tive um desprendimento. Essa coisa do 'eu' sair do corpo e volitar pela dimensão dos sonhos. Os místicos chamam de viagem astral e dizem fazê-la com a maior naturalidade. Eu me vi em Iguatu, cidade do interior cearense, onde já morei. Numa mercearia eu ia comprar um quilo de pedras. Curioso né? Mais ainda de saber que a dona da bodega achava a coisa normal e ao pesar as pedrinhas me dizia:


- Tudo pedrinha de primeira. Da melhor qualidade. Seixos do Jaguaribe que a gente apanha ali no Alto do Jucá.

Pois num era mesmo! Sabe aquelas pedrinhas que a gente encontra na beira dos rios? Seixos, isso. Minúsculas, lavadinhas, bem torneadaszinhas, como se a mão de um bom artífice as tivesse esculpidos com devotado brio.
Pois bem, o sonho me levara a essa mercearia para comprar pedras... para uma sopa! Sopa de pedras.

Eu também fiz essa cara de espanto, como você acabou de fazer. Mas fazer o quê? Era sonho. E em sonho tudo é possível.

Comigo, mais duas senhoras de iguais aparência, esperavam a hora de serem atendidas. A dona da mercearia, ao me ver fez uma cara de surpresa e pensou:

- “Meu Deus, olha quem está aqui? Aquele homem da tv! – pois eu lia o pensamento dela. E nem tinha aqueles balões das histórias de quadrinhos. Era sonho.


Eu pensei de ela se surpreender com a roupa que eu estava: um calção véi e um par de havaianas de tiras "que não largam cheiro". Nu da cintura pra cima, naquele pequeno armazém de secos e molhados da rua da feira, estava eu. Era sonho.
No fiteiro sobre o balcão, me deliciei ver duas batidas, dessas de moagem – as bichinhas pareciam ter saído do engenho indagorinha.

Quando a mulher voltou para me entregar as compras, notei que uma das clientes havia saído. E deixara o celular sobre o balcão.

A senhora da venda pediu-me que eu verificasse se havia algum registro no número do aparelho que a identificasse. E eu vi, tinha. O nome dela, o endereço onde morava – na praça da matriz de Senhora Santana - o número do celular e uma foto. Resolvi ir até lá devolver-lhe o objeto.

Quando ia me retirando da bodega, ainda deu pra ouvir a vendedora cutucar a cliente e dizer baixinho:

- Num parece aquele homem da tv?

A cliente me olhou, de alto a baixo, com um ar de muxoxo danado e disse entre os dentes:

- É não, mulher. Homem de tv ia andar tão malamanhado assim! – e deu uma rabissaca.

Atravessei a rua em direção à praça da matriz, enquanto carros passavam, aproveitando o sinal aberto para eles. E eu passava por entre eles. Isso! Era sonho. 

Foi nesse instante que fui acordando, lembrando-me de todos os detalhes, como estou contando agora.


O meu celular tocou. Saltei da cama. Tirei o aparelho da tomada onde estava carregando. Atendi. Sabe quem era? A mulher da bodega pra me contar que a dona do celular não recebera o aparelho, que eu prometera deixar na casa dela.

Dava pra estarrecer! E estarrecei. Ora, eu eu já não estava mais sonhando. E como é que alguém, lá da dimensão da fantasia, conseguia ligar pra mim que estava desperto? Não era mais sonho. 


Como se fosse pouca essa surpresa, uma outra veio de carona. A voz da mulher, mudou o tom e gritou no meu ouvido:


- E tem mais: o senhor esqueceu de pagar as compras.

sábado, 6 de julho de 2019

LIBERDADE


eu nem lembro quando foi que fui;
só sei que nada sei do que sabia ser
na língua nossa que já foi do Rui
prosar em verso assim é meu dever

mas como quem não quer assim anui
ser a esperança a última a correr
nasci natimorto o que me constitui
Nonato esse nome ainda hoje ter

eu faço versos loucos, disparates
crio do nada o tudo que é poesia 
só pelo simples desejo de fazer  


se ao me ler, provoco-te embates
é que o verso tem a mesma rebeldia 
das aves livres que só querem ser. 

sexta-feira, 5 de julho de 2019

VIVER O BEM POR OFÍCIO


eu venho de vários caminhos
por estradas muitas passei,
entre flores e entre espinhos
confesso que aqui cheguei.

trago em minha alma eu sei
resquícios de descaminhos 
das armas que empunhei
contra meus próprios vizinhos.  

o tempo, senhor da razão
cobrou-nos a peso de ouro
o troco em grão sacrifício.

morri e na reencarnação
encontrei novo tesouro
viver o bem por ofício.



Pedra sobre pedra


Oriundo da Idade da Pedra, eu sou.
Com ela edifiquei o mundo.
Pedra sobre pedra, 
Elevando as pirâmides sagradas;
Construindo os totens edificantes,
alinhando nas construções de Nazca
o protótipo das imagens de Páscoa,
até chegar ao tempo das catedrais.

Usei das pedras dos templos
para dobrar os joelhos dos fiéis.  
edificar as santas imagens
e elevar os edifícios e viadutos.

Elemento primordial das construções.
Nela, o divino veio a Moisés
Lázaro apresentou-se aos vivos
até ocultarem a mais filosofal

Os tipos da imprensa, eram pedra
que já era na escrita das cavernas.
Nos dias atuais, é ainda a pedra
que, anestesia o cérebro dos adictos
Que singulariza os computadores
como a pedra de toque desta era.
que faz de Pedro o representante
do Altíssimo no planeta de pedras.

Se hoje morto sou, vivo petrificado
no tempo que, como um “rolling stone”
não para e avança por entre
as pedras do caminho (de Drummond).

quinta-feira, 4 de julho de 2019

P DE POESIA: O PATRÃO E O EMPREGADO

O patrão e o empregado
ilustração jorge arbach

Mão estendida para o contato, com o tato;
armada mão, conversação sem conversão
de um lado o labor que labuta por seu trato
do outro lado o lado pacto, poder do patrão
mão estendida de quem não vê desacato
no ato simples de quem faz negociação; 
mas do outro lado sempre há um “staccatto”
que impede o lado bom crescer com a nação
vejo isso no dia-a-dia dos nossos bancários
dos operários, dos humildes sem patrões
que lutam pela vida sua e a de familiares
pra melhorar se for possível seus salários
e acreditar que não haverá mais senões:
já que a mão do outro esconde outros ares.
por Nonato Albuquerque