Que parece
um correio sem estafeta? Uma Roma sem papa? Algo possível de acontecer, mas difícil
de se imaginar. É com esse pensamento que aporto nessa dimensão à procura de
dividir meus conhecimentos de velho cronista, acostumado à escrivaninha da sala
ou mesmo do quarto em casa, onde uma fianga cearense recolhia meu corpo cansado
da lida diária. E eu dormia com os anjos, embora n(d)eles não me fizesse
crente. Por aqui, não dei de cara com nenhum deles. Aliás, muitas coisas são fáceis de se ver, mas difíceis de
contá-las. Tudo tem similitude com o que já vi(vi) e, ao mesmo tempo, parece
novidade saída da última linha de produção.
Daquele céu
tedioso que as catequistas ensinavam aos meninos preparando-se para a primeira
comunhão, com anjinhos barrocos tocando harpas, vestes brancas e auréolas na cabeça, não encontrei nada disso. Tem
muita agitação, como pede a Vida. Pessoas circulam pela cidade – incrível,
existem cidades do outro lado da morte! -, numa atarefada visão de sinergia
que, provavelmente, algum leitor meu do diário de bordo que eu consignava nas
folhas do jornal, irá dizer que eu bebi todas por aqui ou que bati com cabeça
no caixão antes de descer à ‘última morada’. Que nada! Ando cambaleando por
aqui, mas é com a pancada dessa ‘realidade’ que acabei de descobrir.
Os
indivíduos não deixam de ser o que são. Pensamos, agimos, comemos, sofremos,
temos saudades e - o que é mais interessante -, atuamos como se estivéssemos ainda
na vigília. É, porque eu tenho a nítida impressão de estar dormindo e
convivendo com um daqueles sonhos que me acometiam nos tempos em que,
plantonista de uma clínica de doentes mentais, eu aproveitava que os doidos
estavam todos dominados, para curtir uma soneca. Nessas horas, movido talvez
pela dor na consciência de dormir no emprego, acordava em meio a pesadelos que, mais
pareciam, os ares dos antigos asilos pinelianos.
Hoje, que me deram chance de chegar à
posta restante de vocês, acuso-me decepcionado com tudo que me ensinaram da
vida após a vida. Tudo é real. Tudo tem vida. Mortos estão aqueles que nunca se
preocuparam em preparar a bagagem para o que me diziam aí ser “a grande
viagem”. Tão fantástica quanto a lombra doida de um baseado curtido nas madrugadas do
Estoril. Por enquanto, é isso o que eu consigo ditar aos extra-celestes, como
passei a divisar a humanidade, dividida entre a que se diz viva e aquela que
morreu. Eu sou parte das duas, muito embora por aí ninguém mais nem saiba quem
se esconde por trás dessa descompromissada croniqueta do mais além.