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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

VIDAS MÚLTIPLAS - O CONTO DA LÂMPADA QUEIMADA

 VIDAS MÚLTIPLAS - o conto da lâmpada queimada


No tempo em que os bichos e as coisas falavam, duas lâmpadas tiveram um choque de idéias. Uma dizia que uma outra lâmpada da sala havia sucumbido.
- Ela apagou-se! - dizia uma
- Não, ela parece apenas ter cochilado - dizia outra desconfiada.
- Pois eu acho que ela se queimou.
- Queimou nada, mor-reu!
- Pois sempre ouví dizer que toda luz que se apaga, um dia volta a acender de novo.
- Conversa besta, quem morre, nunca mais vive
Ficaram nessa discussão toda que entrou noite à dentro, até que um velho lampião de gás, desses antigos que guardam sabedoria e experiência, reivindicou a palavra e acendeu sua luz sobre o assunto.
- Calma, minhas irmãs.
Nem tudo que reluz é ouro, já dizia o antigo ditado. Mas nem tudo que deixa de ser, quer dizer que acabou. A luz não morre. O corpo de vidro pode quebrar, acabar; mas a energia é contínua.
Dia virá, insistiu ele, que alguém com outra lâmpada a reinstalará no espaço vazio deixado pela lâmpada quebrada. E aí, uma vez seguinte, tudo voltará a se iluminar. É a lei da Vida. E ela é plena. Contínua. Sempre.
As duas lâmpadas piscaram agradecidas, no exato instante que uma mão acionou a tomada e as tirou de cena. O lampião baixou seu fogo e adormeceu tranquilo.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

CRÔNICA: O ANJO ANDRÓGINO DE SEU TIBÚRCIO

 O ANJO ANDRÓGINO DE SEU TIBÚRCIO

Nonato Albuquerque

 

Pense num sujeito grosso! Seu Tibúrcio. Pai de Nozim da padaria. Num tempo onde mais se combate homofobia e outros preconceitos, seu Tibúrcio se gabava de encarar a figura de “machão” do Lagedo – o nome do lugar onde nascera, crescera e vivera dominado por um surto constante de raiva e ódio a todo tipo de integrantes de LGBTQ+.

Desde mocinho, costumava dizer ter sido o maior rabo de saia do lugar. Levava no papo quem caísse na sua lábia. E garantia ter pego 99% das mulheres do lugar. “Só não cheguei aos 100, para livrar minha mãe”.

De todas, só Excelsa cedeu às suas cantadas e acabou caindo “nas malhas da Justiça”, pois grávida antes do casório, o pai dela obrigou Tibúrcio a casar-se frente a um juiz de paz ou teria que escolher entre os três Cs da sua lei: cemitério, cova, cadeia. Era o delegado do lugar.

Em 45 anos de casados, seu Tibúrcio e dona Excelsa só tiveram um filho, o Nozim, a quem o pai obrigara a votar no Mito, fazer campanha contra o aborto, contra a implantação do comunismo no Brasil e “a invasão do movimento LGTBQ+”, regra que ele próprio aditara. O fracasso de Bolsonaro no 2º turno, o levou às manifestações em frente ao Tiro de Guerra de Lagedo, onde uma enxurrada o fez desmaiar entre os “patridiotas”.

Levaram-no a um hospital. Diagnóstico: tuberculose, sendo induzido ao coma. Quando despertou estava despido, deitado em outra cama, onde uma mulher anunciara que ia fazer a maquiagem dele.

- Maquiage é a porra! Eu sou espada – gritou, mas ninguém parece ter ouvido. Depois ele foi até a porta, chamou alguém e lhe aparece Nozim, o seu filho.

- E aí, gostou do trabalho que fizemos nele?

- Está ótimo – disse acrescentando: “Ele só num ia gostar desse batom que puseram nele”.

- Batom!!! Meu filho, me leve pra casa. Estão me querendo parecer um viado...

A voz foi sumindo e uma outra figura de branco tirou ele da cama e disse ter vindo buscá-lo.  

Só deu tempo para olhar em torno e descobrir seu corpo, ali na cama hospitalar, rosto com maquiagem pesada – com base, pó e batom... “que nem uma drag”

Seu Tibúrcio achou aquilo, um fim de mundo. E era, de fato. Ele acabara de esticar as canelas. E se viu diante de um anjo, com aspecto andrógino, que viera lhe dar as boas vindas. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

POESIA. Curriculum mortis