A canção de ninar da baleia mãe
Aquele não era um fim de tarde comum mesmo. Havia algo
estranho no ar.
Pela areia da praia, um vento brando soprava, contrário à
algazarra do bando de jovens que atraíam a atenção de todos.
Eles formavam um círculo em torno de
algo estendido no chão. Na cabeça de cada um deles, pequenos aparelhos em forma
de ‘bobbies’, instalados como cateteres de onde escapavam filetes de luzes,
como circuitos em choque.
Avancei até o grupo. Achei passagem entre eles e descubro,
espantado, a presença de uma baleia encalhada na areia. É uma mãe que, junto a
um filhote, vieram dar na areia e tentam com esforço retornar a água.
Debruço-me sobre o enorme animal. Ele emite uma espécie de
canto, que em meio a sonoridade deixa escapar aos meus ouvidos a visão onomatopéica
de sua letra:
“O naúma canduma
securidá
Nausa conda candira
secá...”
Ao ouvir a canção eu digo a todos para saírem de perto, pois
a baleia precisava embalar o filho-criança para “dormitá-lo” (sic).
As pessoas não acreditam em nada do que falo. Riem de mim:
uma baleia cantora! Que deseja ninar o filhote!... Eles não dão conta do meu
apelo. Dizem até que não existe nenhum som vindo do gigante mamífero. Mas eu
ouço o lamentoso canto da mãe, aconchegando para perto de si o filho
semi-morto.
Alguém da turma, que reconheço no plano físico ser um antigo
companheiro de trabalho, escreve algo na areia. Surpreendentemente, as letras
ganham brilho. Iluminam-se com a escrita. Enquanto escreve, fala. Diz serem
poemágicos, aqueles versos que escreve na areia e, magnificamente, a sua voz
sai com imagens holográficas que aparecem no ar em cima de nossas cabeças.
“Sou divino, sou
humano, sou da Terra, sou do Céu...”
Tenho a impressão que a baleia riu. E ouço ela dizer (sim,
uma voz me traduz simulaneamente) que está cansada do humano mundo, precisa
retornar ao oceano.
Quando digo isso a Pedro, o tal poeta, ele considera que eu
esteja em alguma dimensão alfa. “O homem que veio da terra, deve ter fumado
algo para nos divertir com histórias de não se contar...”, diz ele.
A baleia se agita. Contorce-se. Todos ali acham que ela se debate.
De que está nas últimas. Mas, na verdade, ela apenas dança. E atrai para perto
de si, uma vez seguinte o filho que eu imaginava morto.
“O naúma canduma
securidá
Nausa conda candira
secá...”
Então, tenho uma inspiração de que poderia auxiliá-la a sair
dali. E peço que ela dance mais. Aos poucos, “a dança” vai abrindo uma espécie
de canal que fazem com que as ondas do mar consigam atingir o local onde a mãe
e o filhote estavam. As águas vão chegando e aos poucos, os dois animais
conseguem chegar até um lugar onde o mar os envolve num abraço.
Do meio das ondas, a cauda da baleia se ergue enorme,
belíssima. Como se acenasse para todos nós, despedindo-se. De longe, ouço a
cantiga.
“O naúma canduma
securidá
Nausa conda candira
secá...”
Na praia, algumas pessoas revelam decepcionadas com a minha
atuação.
- Que pena, daria uma ótima refeição – diz o dono de um
restaurante.
- Num aquário, atrairia turistas – um administrador de
empresas.
- E o óleo dela, que combustível não daria para nossas
luminárias...
- Bichinha, exclama o que imagino ser uma solteirona –
estava igual a mim. Encalhada.
Aquele não era um fim de tarde comum mesmo. Havia algo estranho no ar.
Pela areia da praia, um vento brando soprava, contrário à algazarra do bando de jovens que atraíam a atenção de todos.
Eles formavam um círculo em torno de algo estendido no chão. Na cabeça de cada um deles, pequenos aparelhos em forma de ‘bobbies’, instalados como cateteres de onde escapavam filetes de luzes, como circuitos em choque.
Do meio das ondas, a cauda da baleia se ergue enorme, belíssima. Como se acenasse para todos nós, despedindo-se. De longe, ouço a cantiga.