CRÔNICA. Retrato falado de um homem chamado Jesus
Por Nonato Albuquerque
Por Nonato Albuquerque
Um excluído, cidadão de uns 33 anos, é preso, torturado e executado de forma arbitrária. Seu julgamento durou menos de 24 horas, entre a prisão e a morte, assistida por dezenas de pessoas. O crime pelo qual foi condenado não ficou bem definido. Há suspeitas de que ele vivia à margem da lei. Que pregou uma nova ordem social, na qual as pessoas deveriam viver no Bem, na Esperança e na Caridade.
Ousado, ele chegou a incitar as multidões a abandonarem os vícios e as maldades do ódio e da violência. Seus algozes o acusaram de andar em bando, com uma espécie de gangue que chegara a danificar um templo religioso, expulsando os comerciantes que, segundo ele, assaltavam o consumidor no peso e no no preço.
Preso pelas milícias oficiais, depois de várias tentativas frustradas, esse homem quase foi linchado pela multidão, a qual ele assistiu durante três sucessivos anos, ensinando regras de comportamento ético e de uma vida saudável para o corpo e para o espírito.
Foi a ajuda de um integrante de seu grupo, por meio do expediente da delação, que deu à polícia a chance de localizá-lo. Sua prisão não obedeceu a nenhum critério da lei ou respeito aos direitos humanos.
Sua identidade é bastante conhecida, mas há em torno dele um grande mistério. Partidários e até inimigos são unânimes em garantir que ele sempre se portou em favor dos pobres, doentes, assassinos, prostitutas e miseráveis, tendo anunciado a Justiça em defesa dos oprimidos.
Esse homem, sem residência fixa e cujo destino todos ignoravam, costumava atrair multidões às praças e aos logradouros onde pregava lições que jamais foram ouvidas da boca de alguém: o dever de amar os inimigos; esquecer pai e mãe para segui-lo; a promessa de um lugar no paraíso para os pobres de espírito; a igualdade dos povos e a sua filiação divina; a crença de que todos somos deuses, além de buscar fazer pelo outro aquilo que desejaríamos que nos fizessem.
Preso, torturado e executado em via pública, num local denominado Morro da Caveira, esse homem mereceu o registro maior de todas as violências.
Seu nome: Jesus.
Seu crime: ter amado a humanidade.
Texto de Nonato Albuquerque