Vocês me deixam eu contar um sonho. Um belo sonho, por sinal. Ou um desdobramento como costumo definir essas visões. Nele, um homem de notável aparência, semblante tranquilo e expressivo sorriso no rosto, resolvera numa noite atrair para um jantar uma multidão de famintos em situação de rua. Na verdade, um grande banquete numa praça toda iluminada. Enquanto
ele caminhava pelas ruas convidando os miseráveis para a festa, entoava uma
terna canção de amor à Vida, que atraía a atenção de todos que se abrigavam
sob as marquises das lojas para o sono. Sua
canção foi ganhando outras vozes, entre os convidados, e um grande coral
foi-se formando preenchendo o vazio das ruas adormecidas e sem
tráfego. Ao
se levantarem das calçadas, os necessitados de toda sorte, traziam um
estranho brilho em redor de si. Já não eram os maltrapilhos de sempre. Os
deficientes sem mobilidade. As crianças de rosto sujo. Os idosos decrépitos
pelo peso do tempo e nem as mulheres de roupas rotas e sem condições de se
arrumarem. Ao
chegarem ao coração da praça, onde devia se dar o banquete, se depararam com
enorme mesa, disposta com os alimentos mais sugestivos, servidos por uma
equipe de transluzentes e solícitos auxiliares. Todos
tomaram assento, mas só poderiam começar quando o benfeitor desse a devida
autorização. O
homem, então, em meditativa postura, profere uma enternecida oração – a mais
bela prece que os meus ouvidos já escutaram – acompanhada em silêncio por
todos os presentes. Ao
término, ele autoriza para que todos se sirvam, e anuncia que aquele jantar
era patrocinado pela figura mais importante da humanidade, o Cristo. Nesse
instante, um clarão enorme se faz sobre a praça. E como se os céus se
abrissem, de um portal, descem por uma escada aureolada de luz, figuras
angelicais surpreendendo a todos. De
forma mágica, ouve-se uma voz, anunciando que aquele senhor havia cumprido a
sua última tarefa de sua jornada terrena e precisava agora atender a um
indispensável compromisso. O de jantar, naquela noite com o divino mestre,
nas claridades infinitas dos céus. De repente, eu fui desbloqueado daquela encantação e e voltei rapidamente ao meu corpo; certo de que as almas dos mendigos ali reunidos estavam sendo alimentadas pela virtude maior do amor que é a graça e a bondade de Deus. |
Quando através do sono nos libertamos temporariamente do escafandro corporal, volitamos por entre a dimensão do eu mais puro e visualizamos cenas que, geralmente, só os sonhos conseguem externar. É do substrato desses sonhos - e da criação poética - que se constitui este diário, revelando a incrível magia da dimensão da espiritualidade.